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Nívea Martins

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Poemas de Nívea Martins

 

Testamento

  ao efeito dos entorpecentes

     é preciso que durmas
        tu não fizesses encanto esse planeta           
              dorme o sono intranquilo
                    tudo continuara assim
                       dorme o impossível
                            sua mente continua incessante
enquanto todos riem de si mesmo
    caminha escura minha poesia,
        pois aqui não se brilha

                  aqui  se dorme entorpecida
                       seus heróis já se foram
                            ninguém ouve seu grito
        e com o lucro da saúde caminha
                  nos versos doentes
                       sem vento de wandré!
                            Fizeram-te lobotomia
                                      ataque-cardia
                                           te deita poesia
mesmo que seu peito ainda chie

          que a hóstia sagrada seja para os insanos
                   que não dormem
                             só sentem!
                                  De que adianta meus versos
                                          se a demência passa fome
                                       pra que seja poesia
                                   precisaria
                                 a saúde que o povo não tem
                               uma migalha de bem
                                                     não minha poesia
                                          dilacere outro comprimido
                               e finja que tudo esta indo
                       será conforme querem

ou poesia será queimada na fogueira
         te acalmaram sem pedir licença
               mas só tu sabes
                     minha poesia
                            que vieste caminhar em rosas
                                     e encontrou um jardim falecido!

 

 

 

 

SEPARAÇÃO

 

DESNUDO-ME
PROPONHO QUE ME ESQUEÇAS
EU PARAREI NOS PORTOS DA VIDA
TU PROSSEGUIRÁS SEM RAZĂO
ENTÃO, VOU CUSPIR AO VENTO
MINHA FRAGILIDADE
QUE SE FAZ POESIA
RASGANDO O SOLO FRIO DESSE CHÃO

 

 

 

 

ORGISOFIA

 

QUANDO TE ENCONTRO
NADA MAIS PENSO
QUANDO TE QUERO
DE TUDO ME DESFAÇO
QUANDO ME SOLTO
SEUS LÁBIOS ESTREMECEM
QUANDO DESNUDO-ME
SEU CORPO ENLOUQUECE

QUANDO NĂO ME ENCONTRO
VOCĘ DECLAMA POESIA
QUANDO TENTO E PENSO
VOCĘ CHEIRA RESSACA DE MARESIA
QUANDO EU MESMA ME FAÇO
VOCĘ ME TOCA COM OLHAR DE MAGIA
QUANDO ME VISTO E INSISTO
VOCĘ ME LEMBRA DE SUA IDEOLOGIA
PENSA NĂO TER MAIS NADA A FALAR
SE ENCOLHE
ME ESCOLHE
E É SÓ FILOSOFIA!

 

 

SER-VEJA


BRINCO EM CADA PALAVRA
QUE NA MINHA VOZ
É PRONOME PERFEITO
MEIO SEM JEITO PULO O VERBO
QUE DE TODO ATO REPULSA A FALA
SEM PARTICÍPIO
E PARTICIPO DO ENCONTRO EM QUE FOGE A CONSOANTE
CONSCIÊNCIA QUE SEI QUE TUDO SE FEZ.
HIATO, TALVEZ UM DESACATO AO SUJEITO ELEITO!
AH! TANTOS ENCONTROS CONSONANTAIS QUE JÁ NÃO SEI
SE ENCARO OU PÁRO!
SE CORRO COM DOIS OU UM R SÓ
ESSE DESESPERO DE REGRAS!
SE JÁ NÃO POSSO DECIFRAR
SÍLABAS TÔNICAS
VERBALIZO ENTÃO
SER-VEJA

 

 

 

Algum alguém
 
 Saiu de sua terra. Tão cedo!

 Comeu o pão do diabo...

Tão inocente!

 Amou o pecado... De leve!
 Pisou nesse chão... Foi breve!
 Deixou nada pra ninguém,
 não queria marcas incuráveis,
 não desejaria mal algum, mas...  Foi a vida,
 a vida que tão vivida não tinha nenhuma constância.
 foi mais um sem fé!
 Digo até que com muita razão...
 não saboreou o pão, engoliu seco, sem sentidos!
 Não bebeu o vinho,
 não existia cálice, muito menos palavras!
 Passou despercebido,

 nada conta a sua existência!
 Levou a pressa consigo
 e devagar, sem nenhuma dor, desconheceu o amor...
 desbravou a si mesmo
 perfurou suas entranhas
 quis a morte,
que de sorte estava por perto,

deu-lhe um sinal aberto...
e se foi, sem biografia.
Só uma poesia sem intenção,

só de passagem, sem ilusão!
Não me pergunte quando,

como nem porquê.
É uma psicografia.

 

 

 

 

Saudades de mim!
  
SOU VIDA ENLOUQUECIDA!

 SOU LUA FERIDA!

 SOU AVE INCONTIDA!
                                SOU NENHUMA RAZÃO
                                SOU SUA FOME DE PÃO
                               SOU CADA PASSO NO CHÃO!
 
                                SER O QUE NADA PENSA
                                E NUNCA EXISTE
                                   
                                SER O QUE DESEQUILIBRA
                                FERA ENFURECIDA
                                ORGÁSTICA SALIVA!
 
                              NEM EU MESMA LEMBRO!

                             TALVEZ FADA ESQUECIDA...
                             ORQUÍDEA AMORTECIDA
                             EM UM JARDIM
                             COM CHEIRO DE FIM...
 
 
                            DO PRINCÍPIO AO MEIO...
                            A SAUDADE DE MIM

 

 

Mutação

em cada dose
de sentimentos...
pulsa sangue quente
ausência...
reencontro
notas suaves...
contam estrelas no firmamento
minha intuição aflorada
desabrocha pétalas indecisas
orquídeas desenfreadas
até que o mundo se cale

talvez ...

 

 

 

Deixei o vento me levar

 


             Não quis voltar!

            provei de uma fruta

              e ninguém mais vai saborear...
              conheci o segredo
              não ouso desvendar...
              trago comigo o paraíso
              me viciei em sabores
   me deliciei nos sumos
     me embriaguei
              estourei os cadeados
           desfiz as correntes
   parei nas esquinas...
       é minha sina
              amores irreais...
              é alma menina
              desse destino imortal
              é essência cristalina
              despir-se dos valores
              ficar de bem com o mal

 

 

 

Tudo que se planta, dá.

 

 Psicose, neurose, cirrose
 no gole nosso de cada dia
 distorção frontal
 colhe-se delírios
 hare, assim seja namstê
 fim da massa cerebral.
 Os pontos que interrogam...
 cobram um porquê.
 O grito não sai...
 a fala tremida
 a boca maldita!
 É vácuo
 o espaço da inerte criatura.
 É assim que se fez o relatório humano.
 No engano da história
 a falta de memória!
 Nenhuma saída...
 voto obrigatório...
 seja eleito então
                                     vazio.

 

 

 

Separação...
                                
 
desnudo-me
penso
te proponho 
que me esqueças!
Eu pararei nos portos da vida,
tu, prosseguirás sem razão...
então vou cuspir no mundo
minha fragilidade
que se fez poesia
rasgando o solo frio...
desse chão

 

 

 

Profilaxia

 

Anoitece.

O vulto alegre se entristece. De pavor!
Imutáveis monstros,
delinquentes civis!
Voltando de onde quis...
com o horror que nunca quis!
E lá no fundo desse poço imundo... Mundo!
jazem os crânios
arânios
com suas minas de urânio
a pedir perdão!
Inteligentes,
comoventes como só eles são,
a ditar e interditar,
os atos loucos. 
entre muitos,
poucos com o coração!

Anoitece.

O corpo marcado de pus que se reduz!
E o sol?
O sol com seu brilho,
move no canto do espartilho.
a força esmagadora de amar com prazer!
O que fazer?
Se a noite beneficia...
e o golpe asfixia,
um nó...
sem profilaxia,
com marcas de bem estar!
É, no duro,
hoje...
eu já não pulo o muro
pois eles se curvam 
com o meu olhar!


 

 

Logos eu?
 
 Sem razão...
 sem rótulos...

sem definições...
ou decretos...
sem sentido
ou lógica de tempo!


nenhuma ordem
ou articulação...

sem previsões
tato, olfato, paladar!
 
Sem previsões!

Meras especulações.

Irreparável...
irreconhecível...
sem divisão
nem subtração!


Nenhuma religião...
nada cronológico
sem código de DNA
                          
fora de linguagem
nunca posta em leitura!


Fora de padrão!
Nada que se cobre
nada que se pague!
                             
Nunca...
sem tentativas...

nada retrata minha passagem pela vida...
tão absurda!
Algo informal demais
 

E?
Logos eu?

 

 

É sofrida nossa afinidade

 

 

É sofrida nossa afinidade.

 

Basta-me

Os sonhos,

As lembranças

As lagrimas derramadas

Como sofri quando você se foi

Os meus olhos se entristeceram

Minha alma adoeceu

O meu corpo

Virou deserto

E seco se tornou, sem nenhuma reação

Se antes estremava com o teu toque

Agora dormente jamais será explorado novamente.

Passada esta relação

Acordo para outra vida

Sacrifícios se fazem necessários

E as mudanças

Promovem em mim

Aquilo que mais me renova

Um amor

Sem sonhos

Idealizados nas mesmas nuvens

Sem promessas de chuvas

Estou climatizado nas esperanças futuras

Terei uma longa viajem por outros universos

De você não espero retorno

O passado será demarcado como única saudade

Para ti minhas poucas lembranças

Nada mais...

 

 

Gênesis não citados

 

 

Gênesis não citados

rebelavam santos de fato.

 

Criação!!!
 
Eu: maçã.

 Insuperável dona do pecado.
 De mim se fez o temor da descoberta do desejo.
 Temer a primeira mordida da ideia divina.
 Ideia de conhecimentos vestidos.
 Atemorizava a descoberta de seres em Gênesis não citados.
 Rebelavam-se santos de fato.
 Pecavam salientes.
 Ousaram descoberta de  ideias abertas.
 Desfez-se o jardim passado.
 Eis o encantamento, nada de juramentos.    
 As bruxas salientavam intuição.
 Sem censura óvnis desdobravam o céu.
 Os seres das costelas sentem agora o furor da existência.

Decidiram correr apressados.
Inventaram o relógio, a lógica e o tempo.

Não se convenceram de sua suficiência.
A ciência ainda Poe a prova em prova.

Surgiram pregações sobre tudo.
Nada se prova.
Homo erectus em suas patas enforcam-se em gravatas.
Assumem posição de abandono. O ego segue adiante.
Somam-se deuses e máquinas.
Ainda trago contente, saliente saliva.
Bravos heróis com suas buscas. Engolem um a um.
Volta-se ao jardim sem mim?
Agora se ajoelham a minha imagem. Gulosos.

 O veneno sutil.
 E a revelação.
 Gritam aleluia.
 A musa
 a santa.
 A religião

Cobiçada...

... Mulher.

 

 

 

Despido de conceitos e éticas sendo simplesmente eu

 

sem ilusões pra fugas

                    espasmos

tento pensar coerentemente
mas a mente melindrosa
remete-me constantemente a
sonhos mirabolantes
acordando recentemente
recordando sonolentamente
de sonhos reais da alma real
e o que acontece realmente
é que entre o real e o incerto
a linha fina e tênue
separa-nos insanamente
entre o real e a mente que mente

colocando-nos a máscara da incerteza
na loucura da vida bela
neste mundo paralelo
que me criei nesta vida
entre o certo e o errado
no dia que as máscaras caírem
e me mostrar limpo, inteiro
despido de conceitos e éticas
sendo simplesmente eu
nu, cru, despojado de tudo

despojado do deus que criaram
para eu crer no ser eterno
esqueço do presente que é dádiva
do eu natureza vivendo

eternamente no já...


agarrando-me às ideias
de eterno ser.


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http://ima.dada.net/image/halfcol/17899408.jpg Nívea Martins – Nome artístico de Maria Nívea Cerqueira Cezar Pereira Martins. É atriz de teatro e poeta. Quando residia em Santos, atuou sob a direção de Plínio Marcos em A balada de um palhaço, da autoria do referido dramaturgo. Entre as diversas peças em que atuou em Maringá, sempre sob a direção de Newdemar de Souza (Grupo Quilombo), estão Ternura e sol (baseada no livro homônimo de Ary Jacomossy), E agora Drummond? e A dança do caos (criação coletiva).