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Ademir Demarchi
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5 POEMAS DE ADEMIR DEMARCHI
1
Um
boeing caído
Um boeing cruzou o céu caindo até se esborrachar
refletido nos olhos. No chão um cão agonizante atropelado estertorando a morte no vidro retrovisor da motocicleta. O carro,
móbile estático,
os passantes, titubeantes. Um deles por fim
brilhou se debruçando debruado de olhares
ao chão em
busca do cão
que tomou urbano
e morrente nos braços
deixando-o na calçada o sangue quente
no asfalto o bicho
agonizante marrom indolente
selvagem e morto
para os condoídos passantes
e de novo o trânsito
sobre o sangue
inexplicável do céu
azul. A mulher desceu do bólide temente
e vacilante não
querendo ver nem
levar mas já sabendo dela o óbito
para a ceia
noturna pois
não é preciso
ver para saber
a sina servida. O jovem
de lágrima seca
distinguindo-se dos corpos observantes
e indolentes bebia pelas veias a agonia
inextinguível que
ainda impregnava seus
braços dormentes
do cão que
não morria matando o pouco que
podia os impávidos e impotentes passantes incrédulos
e cegos em
seus finitos
olhos diante
do boeing caído.
2
Enquanto
leio
Enquanto leio e me vou sem sanha pelo mundo,
perdido nos livros
Minha cadela finge enleio, perfeita aranha em sorrateira
soneca
Não me engana, pois a sapeca não sonha, isso sim,
arteira vigia
Sonhar, sonho eu em meio a florestas, monstros e
soldadescos devaneios
Um distraído total e sem pêlos mas ela está atenta
a qualquer harpia
Ou movimento estranho que faça o mundo se voltando
contra nós
E se ele ousa e isso ocorra, corre ela latindo
bravia espantando o atroz
Esforço-me em amavios para demove-la, mas ah,
teimosa!, ela não cede
Vai guardando aos poucos diminuindo o rosnar
afinado como um motor potente
Que acelera a mil novamente a novo ruído me olhando
de canto e dizendo
Viu seu besta, não lato em vão, vá ensacando sua
prudência que ingente
Tudo o que você viu e sonhou nos livros aí fora
está, vindo e chegando!
3
Um
cachorro amostardado
Um cachorro amostardado passou
caminhando com suas três pernas
sorrindo alegre e entusiasmado
nem viu o espanto que deixou
em três gordas mulheres que ávidas
comiam num banco apinhadas
e diziam entre um bocado e outro
"Que esquisito, falta-lhe uma
perna!"
"Que não faz falta, feliz assim
veloz!"
"Sim! Mais feliz e satisfeito que
nós..."
4
Da imobilidade do jacaré
O
jacaré mexeu um bilionésimo de milímetro o rabo quando leve e longamente
inspirou.
Não
vi e então ele expirou.
Também
não vi.
Seu
olho aberto não piscava boiando na imobilidade
mas
respirava por ele o mundo à sua volta
e
foi por lá que a lagoa entrou
que
eu entrei
e
que tudo entrou
para
olhar a partir de dentro e respirar a imobilidade
e
criar o mundo lá fora como uma projeção seca e aguada
que
as variações de luz e calor tornavam moventes
5
Metafísica barata
Quem
entra pela metafísica e nela piamente
acredita
sem querer vira barata antes de morrer
Um
abraço terno pela manhã e a pergunta
o
que vai ser de nós? Ah, vamos morrer e virar pó, oras.
Você
vai se dissipar em árvores, arbustos, amoras,
na
couve que outro com fome irá comer,
numa
ovelha, num rato, numa barata...
Ai,
que horror!, disse, me afastando e voltando
à
vida humana que não ata nem desata
indo
fazer como gado o que se tem de fazer
antes
de morrer e vir a ser uma cópia exata:
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Ademir
Demarchi – Escritor, crítico e poeta.
Cursou doutorado em Letras – Literatura Brasileira – na Universidade de São
Paulo, mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina e graduação na
Universidade Estadual de Maringá. Já publicou vários livros de poemas,
destacando-se Os mortos na sala de
jantar (São Paulo/Santos: Realejo Edições, 2007), obra premiada pelo
Governo do Estado de São Paulo. Como crítico, organizou o livro Passagens - Antologia de Poetas Contemporâneos do
Paraná (Imprensa Oficial do Paraná) e edita, desde 2000, a Revista BABEL, de crítica e poesia.
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